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Não pretendo me identificar em momento algum durante este relato. Apesar de ter reunido coragem para partilhar dessa história, sei que é melhor fazê-lo de forma anônima. Acreditar ou não nas palavras que aqui serão escritas é escolha sua, e acho melhor que não o façam. É mais seguro. Tanto para mim quanto para vocês.
Bem... Vamos começar.
Ano passado, a minha vida mudou.
Durante uma semana, eu vivenciei o inferno na terra, e desde então, minha vida mudou.
Foi como se o destino estivesse pregando uma peça comigo. Bem, admito que também tive culpa. Afinal, se não fosse por mim, provavelmente não teria acontecido da forma que aconteceu, ou talvez nem mesmo tivesse acontecido.
Mas eu me recuso a acreditar que tudo foi apenas "por acaso".
Era uma noite de domingo quando o conheci. Meu pai, um policial solteiro, havia chegado em casa mais frustrado e irritado do que eu jamais tinha visto. Fazia alguns meses desde que um assassino em série havia aparecido em nossa cidade, e a mãe da oitava vítima havia feito uma cena na delegacia aquela tarde. Daqueles com direito a choro e xingamentos.
Bem, não posso culpá-la. A garotinha tinha dez anos e foi encontrada nua com o pescoço torcido deitada na areia da praia. Diga-se de passagem, sua casa ficava a três quarteirões do local. Qualquer mãe teria feito o mesmo, senão pior.
De qualquer forma, por causa disso, eu e meu pai brigamos naquela noite. Minha culpa. Apesar de que o estado emocional dele também ajudou bastante, claro. Ainda assim, fui eu quem o provocou no final e isso resultou na minha "expulsão" da casa.
"Expulsão"
Eu pretendia voltar, é claro. No dia seguinte mesmo. Ele não estaria lá durante a manhã e a tarde, e eu estava com as chaves no bolso. Em três dias, nós dois teríamos superado aquela briga e voltaríamos ao convívio "normal".
Mas o destino não quis que fosse assim, claro.
Naquela noite, enquanto eu caminhava pelas ruas vazias esperando o sol nascer, uma tempestade sem chuva começou a soprar. Não demorei para encontrar abrigo, em um coreto numa praça perto da praia (longe de onde a oitava vítima havia sido encontrada), e lá fiquei sozinho.
Não, não exatamente sozinho. Junto comigo havia outro ser vivo. Um morcego negro como a noite, que parecia não ser afetado pelo vento e que me fitava pendurado em uma das vigas de madeira.
Dizer quanto tempo passei apenas sentado lá, olhando para o morcego, seria impossível. Minha memória daquele momento está muito confusa agora. Só sei que quando percebi, já estava correndo.
Respiração ofegante, olhos semicerrados, vento soprando no meu rosto, correndo atrás do maldito morcego que agora não só ignorava o vento, mas também conseguia voar contra ele.
Apesar de ter recuperado minha consciência, meu corpo ainda não me obedecia. Eu continuei correndo além da exaustão por longos minutos, até que finalmente chegamos.
Um trecho deserto da praia, longe da cidade. Apenas o mar, uma faixa de areia e as árvores.
E em uma dessas árvores estava um homem pregado com estacas de madeira pendurado de cabeça para baixo. Uma estaca atravessando as duas mãos e o peito, outra estaca para os pés. As duas atravessavam a árvore por completo, e pareciam extremamente afiadas. Havia uma quantidade absurda de sangue escorrendo das feridas, digna de oito jovens garotas e sabe-se lá quantas mais. Todo o tronco da árvore e a terra envolta estava manchada de vermelho.
Mas apesar da situação miserável do homem, a única coisa que eu pude sentir foi medo.
"Tire-me daqui" ele ordenou. Seus olhos vermelhos pareciam emanar uma espécie de encanto sob meu corpo, fazendo-me sentir impelido a obedecer.
Então eu me aproximei. Mesmo querendo dar meia volta, mesmo querendo desaparecer dali o mais rápido possível, eu me aproximei.
"Remova as estacas. Rápido." ordenou ele novamente, me controlando com os olhos.
Essa segunda ordem não pareceu tão eficiente. Parecia que lentamente, o controle dele sobre mim ficava mais fraco. Provavelmente, me forçar a salvá-lo exigia todas as forças restantes dele. Foi então que eu me lembrei, o morcego que me atraiu até lá também havia perdido parte do controle sobre mim no meio do caminho.
Pensei que se fosse capaz de enrolar por tempo o suficiente, eventualmente conseguiria escapar.
Ideia estúpida.
"Eu não tenho tempo para brincar com você. Remova as estacas de uma vez." Ordenou ele, dessa vez quase dispensando a "hipnose".
Eu devia ter corrido então.
O sol começou a nascer, queimando o corpo do homem a partir dos pés, lentamente. Eventualmente o restante do corpo seria destruído e eu poderia voltar para casa. Ou pelo menos era para ser assim.
"Não tenho outra escolha. Ajoelhe-se e estenda o seu braço até minha boca garoto. Você vai ter de servir"
Novamente me controlando com seus olhos, ele me obrigou a obedecê-lo e assim como ele disse, eu me ajoelhei e estendi o braço direito.
"Seja bem vindo ao mundo da noite" Disse ele, antes de me morder.
Essa foi minha última lembrança daquela noite.
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