2 de ago. de 2012

Reminiscências de um Soldado

Eram duas horas da manhã. Os dormitórios, cujos ocupantes costumam estar sempre roncando e xingando não importa o momento, estão completamente silenciosos. E eu não conseguia dormir. Acho que nunca havia sentido tanto medo na minha vida inteira. Medo da morte e do arrependimento. A razão para isso tudo? Bem...

No fim da tarde do dia anterior, havíamos recebido uma notícia. Para muitos de nós, a última notícia.

Era um dia como outro qualquer, até que o capitão interrompeu o treino repentinamente e reuniu todos os soldados do quartel no pátio. A princípio, pensei que alguém tivesse colocado esterco na cama dele mais uma vez. Só posso dizer que ninguém esperava aquelas palavras.

"O exército inimigo avançou a uma velocidade inesperada. Os reforços que invocamos não chegarão a tempo. Batalharemos amanhã, e estaremos sozinhos."

Vinte e uma palavras, seguidas apenas por um triste "Dispensados". Três sentenças, que resumidas, significavam basicamente o seguinte:

"Todos nós morreremos amanhã."

Quando eu cheguei à essa conclusão, percebi que já estava tremendo. Tremendo e suando. Minha família, meus amigos, minha cidade... Os domingos em que eu jogava cartas com meus tios, as tardes que eu passava escutando meu pai tocar sua velha gaita, os doces que a minha mãe fazia para o meu aniversário e o dos meus irmãos... Eu nunca mais veria nada disso. Nunca mais veria nenhum deles.

Mas havia uma coisa que eu ainda podia fazer. Que eu tinha de fazer.

Me levantei então da cama e saí do dormitório. Os vigias noturnos me viram, mas não fizeram nada a respeito. Acho que eles não conseguiram me impedir. Provavelmente, eles também estavam aterrorizados. Afinal, também iriam morrer em poucas horas.

Sem me preocupar em me esconder ou coisa parecida, eu fui até a janela dele.

"Acorde. Preciso falar com você."

Alguns segundos de silêncio.

"Já estou indo."

Momentos depois, estávamos os dois sentados sozinhos no refeitório. Não trocamos mais nenhuma palavra, apenas nos consolamos com a companhia um do outro.

"Companheiro"

É assim que ele me chamava, e assim que ele me tratava. Desde que entrei nesse bendito exército, ele foi meu único apoio. Foi ele quem me ajudou quando eu precisei de ajuda, e que esteve lá por mim a todo momento. Sem ele, eu provavelmente teria morrido ou enlouquecido, como muitos outros fizeram após as primeiras batalhas. Ele sem dúvida era meu companheiro, mas... Aquela relação... Aquele tipo de relação... Em algum momento... Começou a me sufocar. Eu... Passei a querer mais.

"Preciso... Preciso te dizer uma coisa. Essa é minha última... Chance. Então..."

Minha voz tremia. Eu já havia aceitado a morte, mas por alguma razão, ainda me faltava coragem para dizer algumas poucas palavras...

"Então me diga" Disse ele, olhando no fundos dos meus olhos.

"Eu... Eu te amo."

Então eu disse. Quase gaguejando, eu disse o que outrora havia jurado levar para o túmulo. Eu disse, e agora sentia mais medo ainda. Mais do que a morte, eu temia a resposta.

Mas que cruel... Ele só me disse o seguinte:

"Depois dessa batalha, quando nós dois estivermos voltando para casa. Só então eu te darei minha resposta."

Lembrando disso agora, acho que ele só estava tentando me manter vivo. Só disse aquilo para me dar a impressão de que ele não havia desistido também. Para me dar esperança.

Ou talvez ele me amasse também. Talvez ele realmente acreditasse que voltaríamos juntos para casa. Eu não sei. E nunca vou saber.

Eu só sei que aquela granada foi atirada na minha direção, e que ele saltou sobre ela sem hesitar. Só sei que isso só seria possível se ele estivesse me vigiando o tempo inteiro, tentando garantir a minha segurança, a minha sobrevivência.

Por isso, não preciso de uma resposta. Ele me deu algo maior, algo que eu nunca poderei compensar. Mesmo que eu não tenha sido amado, o homem que eu amei provou que merecia esse amor. Provou com a própria vida.

É por isso que eu sou feliz. Que mesmo sozinho, eu sou feliz.

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